Uma obra de arte

27 de abr. de 2021

comprei quadros de alguns amigos com a intenção de colocar nas paredes do meu apartamento, mas quando dei por fé as paredes já nem eram mais minhas porque já estava passando uma outra de mão de tinta para poder entregar para a dona. paredes que nunca foram furadas porque esperava o momento certo, mas acho que o motivo foi o mesmo de quando me mudei do meu primeiro apartamento e não furei as paredes: ali ainda não era minha casa.

não que eu não me sentisse em casa, sempre me senti confortável. fiz dos dias existênciais minha casa, meu refúgio, mas meu coração nunca, nunca, parou quieto. ainda que pagasse todos os meses, sem falta, pelo meu teto, ali ainda não era de fato a minha casa, não era onde eu queria fincar alguns quadros.

enchi o apartamento de plantas, porque precisava de coisas para ocupar espaço e também a mente. cuidar de planta é como cuidar da alma, precisa de tempo, paciência e dedicação. troca de vaso, troca a terra. aduba. poda. faz muda, planta, colhe. as plantas vieram para o quintal da minha avó, algumas se adaptaram, outras nem tanto.

os livros que ficavam empilhados do lado da cama foram para outras estantes, para sebos, para estações de ônibus, as histórias que eu não queria mais ganharam uma nova casa. espero que estejam bem, junto com a caixinha cheia de coisas de papelaria que dei para uma amiga que precisava de materiais para continuar sua arte.

os brinquedos que eu juntava desde quando eu era bem pequenos foram para um doação de natal, os meus favoritos para o meu irmão mais novo. esses dias a gente brincou um pouco. a gente divide alguns domingos em andar de patins, uma vez ele, uma vez eu.

doei muito de mim, abri o espaço para que novas coisas pudessem entrar e não que esse seja um processo doloroso, mas sim diferente. abrir espaço é novo.

tirei os desenhos das molduras e coloquei junto com os documentos, para não amassar na viagem. porque são as preciosidades que posso carregar comigo e não ocupam tanto espaço. há outras coisas para serem levadas, outras que devem ficar. estou indo de olhos vendados para esse novo desconhecido, sentindo uma dor que também é boa. indo atrás daquilo que talvez eu venha chamar de casa daqui uns dias. procurando o lugar nesse vasto mundo.

parece até um pouco clichê, mas juro que não é. mentira, talvez seja mesmo. são páginas de um livro, do qual estou escrevendo.

— estou participando do projeto 30 dias de escrita.

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